TORTA DE CLIMÃO
Torta de Climão
“Quatro da tarde. Sempre pontual”.
No café à beira do campus da Universidade da Cidade do Progresso, a equipe de Emília tinha um cliente assíduo. Ela nunca se atreveu a perguntar seu nome, mas adivinhava, pelos livros tão abstratos quanto cheios de números e letras, suas grossas lentes e timidez, que tratava-se de um engenheiro. Ele vinha todas as segundas, quartas e sextas à tarde, há dois anos, de forma consistente, e pedia a mesma coisa: uma tortinha de mousse de maracujá com merengue. Um homem de bom gosto, ela diria, porque eram suas favoritas de fazer e ela adorava compartilhá-las com o mundo.
Ele se aproximou do balcão quando ela estava ajeitando o hambúrguer de outro cliente. Por sorte, era época de férias e o movimento estava quase morto, pois a Caren, a outra garota escalada para o turno de Emília, havia pegado conjuntivite, então ela estava atendendo sozinha. Ela se virou para o engenheiro e deu seu melhor sorriso, na esperança de que ele notasse. No entanto, ele permanecia imóvel e não olhava diretamente para ela, mas fixamente para um ponto no chão. Ele era tão tímido e, apesar de todas as tortinhas, tão magrinho.
— U-uma torta de mousse de maracujá com merengue, por favor. – murmurou ele em uma voz baixa, quase inaudível para Emília.
— Já faço sua torta para você, amor. Está um pouco caótico hoje, se quiser se sentar, eu levo lá. – disse Emília. Ela empilhou os hambúrgueres que tinha em uma bandeja e partiu em direção a uma das mesas à direita.
Os clientes dos hambúrgueres eram pessoas que ela via ali cerca de duas vezes por mês, às vezes naquele grupo, às vezes em outros. Era comum ali. Os estudantes universitários frequentemente traziam seus amigos ou namorados para comer hambúrgueres e batatas fritas, sonhos recheados com doce de leite, pães de queijo com o que ela garantia ser o melhor queijo minas do mundo. Não o engenheiro tímido, no entanto.
Ele sempre vinha ali sozinho. Sem amigos, paqueras ou família nos dias de trabalho de conclusão de curso. Apenas um engenheiro solitário com seus projetos misteriosos e suas tortas favoritas de maracujá com merengue. Foi, portanto, com alguma surpresa que ela viu, ao se virar, seu engenheirinho tímido tentando puxar conversa com um trio de garotas que havia entrado. No entanto, ele não estava tendo muito sucesso. As meninas tinham expressões irritadas, e uma delas estava inclinada, como se seu corpo inteiro tentasse se afastar dele.
As anteninhas de Emília se empinaram, caso fosse uma situação em que tivesse que interferir.
— Tu-tudo bem, M-Marcela? – gaguejou seu engenheiro.
— Estava bem melhor a uns minutos atrás.
— Ti-tirei nota máxima em elétrica semestre passado. – disse ele.
— Ah, tá, que legal. – disse Marcela em um tom que sugeria que não havia nada de legal na situação.
O engenheirinho balançou nas bolas dos pés.
— O… O professor di-disse que preciso de mais gente no meu grupo. D-daí pensei…
— Bom, boa sorte com isso, nosso grupo já está cheio. – disse Marcela com tom de finalidade.
O engenheiro franziu a testa.
— S-seu gru-grupo tem três pessoas.
— Tinha, entrou mais um menino da mecatrônica.
— Ah.
Uma pausa desajeitada se assentou entre eles.
— Então é isso, Alexandre, não posso te ajudar. – Marcela disse, comprimindo os lábios. – A gente se vê outro dia.
— E-está bem.
— Tchau. – disse ela pronunciadamente.
Alexandre acenou e ficou sem saber o que fazer. Depois de alguns instantes tensos, afastou-se e foi esperar em uma mesa ao fundo. Marcela jogou o cabelo por cima do ombro, como se assim espantasse um mau agouro.
— O Alexandre é tão esquisito.
— Parece mesmo, amiga. – concordou enfaticamente a garota à sua direita. – De onde surgiu essa peça rara?
— Ele está na minha classe de elétrica. Ai, senhor, por que que eu fui pegar DP nessa matéria? Ele para a aula para fazer cada pergunta nada a ver… E esse nem é o pior, sabe? Outro dia passou a galera do grêmio convidando para a festa junina e ele me perguntou se eu queria ir com ele! Demorou meia hora só pra conseguir dizer uma frase.
— Misericórdia! – exclamou a amiga no outro lado de Marcela. – Não se enxerga esse menino!
— Enfim, Deus que me livre. – disse Marcela. – Por que tive que nascer bonita? Cada estranho que respira pela boca vem como se fosse o Brad Pitt, mas o Alexandre… Não sei como ele entrou nessa escola. Achei que a Universidade da Cidade do Progresso era para gente inteligente, mas ele não tem todos os pinos, não.
Emília atendeu ao pedido do trio de meninas esnobes: três saladas com frango grelhado para viagem. Em seguida, enquanto decorava uma torta mais tarde, lançou mais um olhar para seu engenheirinho, Alexandre, que estava aguardando cabisbaixo e encolhido em uma mesa ao canto.
Caprichou na decoração e, então, em um momento de impulsividade, usou a calda de chocolate para escrever um recado. "Você não é uma torta, mas é doce!". Ela admirou seu trabalho. Era inocente o suficiente para não causar problemas e, quem sabe...
Foi entregar a torta a Alexandre com o coração batendo rápido, e então lhe deu seu melhor sorriso, desejando-lhe uma boa tarde, e não esperou para ver a reação dele à torta. Saiu de fininho e foi lavar pratos, suas bochechas queimando. Sobre os pratos, arriscou um olhar para seu engenheirinho e o viu comer a torta com um pequeno sorriso.
Se sentiu aliviada que pelo menos não parecia tê-lo ofendido e se ocupou com as coisas da cozinha. Alguns minutos mais tarde, Alexandre se aproximou novamente do balcão.
— Ah, meu cliente favorito! – disse ela. – Espero que não se importe de eu ter escrito na sua torta. Há alguma coisa que eu possa fazer por você?
O rapaz sacudiu a cabeça enfaticamente que "não" e ensaiou falar alguma coisa, mas sua língua parecia estar grudada ao céu da boca. Depois de alguns instantes, Emília secou as mãos no avental e estendeu a mão.
— Acho que não fomos apresentados formalmente ainda. Meu nome é Emília e hoje fiquei sabendo que o seu é Alexandre. Nome bonito. Muito prazer em sermos formalmente apresentados. – ela sorriu enquanto ele timidamente estendeu sua mão para apertar a dela. – Vejo você sempre estudando por aqui! Parece muito inteligente. É um dos estudantes de engenharia? No que está sempre trabalhando?
Ele corou e evitou o olhar dela.
— É um robô que faz tortas. – disse ele, abrindo uma esquemática.
— Um robô que faz tortas? Agora já vi de tudo. – disse ela, bem humoradamente. – Não ia ligar de ter um ajudante desses na cozinha. Então, quem sabe, poderia abrir um lojinha de tortas so minha e teria tempo o suficiente para bolar novos sabores todos os dias.
— N- não são tão boas quanto as suas. – confessou ele, sem jeito.
— É mesmo? De tortas eu entendo. O segredo da torta está na receita. Talvez eu possa ajudar você a ver o que está errado, e então, quem sabe no futuro, possa usar o seu robô na minha loja? – disse ela, dando uma piscadela.
Ele abriu os desenhos que tinha do robô e a receita de torta que estava tentando usar. Estava começando com torta de mousse de maracujá com merengue, obviamente, e havia várias anotações na receita sobre como o sabor, o formato e as decorações eram diferentes dos de Emília, que estavam sendo postos em um pedestal como a torta suprema de todas as tortas.
Ele corou um pouco.
— Tentei fazer parecida com a sua, mas meu merengue não fica com essas voltinhas e meu maracujá não fica azedinho.
— Vou compartilhar com você a receita e aí eu tenho e você tem e será nosso segredo, Alexandre.
Ele concordou enfaticamente com a cabeça.
— Eu coloco uma xicrinha de suco concentrado de maracujá e uma colher de suco em pó no meu mousse de maracujá para ele ficar azedinho desse jeito. E uso uma ponta de confeiteiro que herdei da minha avó para fazer os swooshs swooshs. –. disse ela, imitando o movimento das voltinhas de merengue com as mãos. – Está tudo no tempo e, que você bate o merengue para ele ficar aeradinho.
— Como você bate o merengue?
Emília olhou ao redor, mas o movimento estava morto. Ninguém a incomodou enquanto ela e Alexandre passaram o resto da tarde discutindo sua torta favorita. Acabou que, quando o assunto era algo que lhe interessava, Alexandre era um bom conversador.